Todos os anos, no dia 2 de fevereiro, na cidade de Punxsutawney em Pennsylvannia, acontece o Festival da Marmota (Groundhog Day). Reza a lenda que a marmota hiberna durante todo o inverno, e nesse dia, ela acorda e sai da sua toca pela primeira vez. Se a marmota sair e vir a sua sombra, ela volta a hibernar por mais 6 semanas, num inverno prolongado. Se ela não vê sua sombra, mantendo-se do lado de fora, isso é o sinal de que a primavera vem mais cedo.O Feitiço do Tempo(1993), sob a direção de Harold Ramis, é uma comédia que toma esta tradição com ponto de partida. Phil Connors (Bill Murray) é um apresentador de TV de metereologia, egocêntrico ao extremo, sem amigos, nem amores. Phil é o “homem do tempo”, aquele que prevê o tempo no mundo e que se vê como “o dono” do tempo. Tanto ele como a marmota que também se chama Phil teriam a capacidade de prever o tempo – a duração do inverno. Inicia-se a alegoria.Phil é enviado para Punxsutawney, para uma entrevista chatíssima e insignificante sobre o tal dia da Marmota. Devido a uma nevasca, pernoita na cidade e, após um dia em que tudo dá errado, Phil passa a acordar repetidamente naquele mesmo dia, sem que mais ninguém, além dele, se perceba da situação.No repetir sucessivo dos dias, o protagonista tem tempo suficiente para reavaliar suas respostas ao meio. Aceita ser impossível transformar o que lhe vinha externamente, e gradualmente, passa experienciar o lugar, as pessoas com quem convive, abrindo-se para novas aprendizagens e outras formas de se relacionar, aprofundando-se nelas e em si mesmo. Ao reconhecer que não é capaz de mudar a realidade externa, descobre que pode, sim, mudar seu modo de lidar com esta realidade, modificando suas atitudes. Passa a agir diferentemente, descomprometido com os resultados imediatos de seus atos, não mais tratando o tempo como inimigo, mas como uma contingência inevitável, que passa a usar em seu favor. Aprende, aperfeiçoa-se, doa-se ao outro, adquire a capacidade de se preocupar e descobre-se capaz de amar.O Dia da Marmota, título original do filme, cria uma espécie de vácuo existencial para o protagonista onde um único dia é revivido à exaustão até que este possa perceber que lhe é possível, sim, ser o criador de seu próprio tempo. O filme aponta também para o fato de que é crucial que o tempo vivido, para que seja transformador, precise ser um tempo criado pelo próprio indivíduo.Creio que a idéia central deste filme, é, através de uma história fantástica, denunciar a existência, a cada dia, de pequenas repetições aprisionantes, grilhões invisíveis do cotidiano, que nos tornam prisioneiros do tempo numa escala, a princípio, imperceptível. O roteiro nos convida a questionar não só a capacidade transformadora do homem em relação a seu destino, como também foi capaz de exprimir uma experiência temporal que usualmente não é acessível através das palavras.
O tempo é sucessão ou duração? É finito ou infinito? Aponta em direção à irreversibilidade? Existe independente de nós?Buscamos sempre dar um sentido ao mundo, um senso de existência que nos permita estar inseridos neste e que preserve uma certa continuidade, apesar dos conflitos e choques inevitáveis causado pelas interações com o meio. E dar sentido significa ter de desconstruir e novamente reconstruir os fenômenos e experiências que são trazidos para dentro de nós. Implica em dar nomes, transformar o desconhecido em conhecido, transformar o inexplicável em explicável, em buscar uma causa que justifique um evento, atribuir características de modalidades aos fatos, estabelecer analogias.É uma tarefa de reconstrução simbólica que fica, no entanto, a serviço de dois senhores, por assim dizer:a necessidade de sustentação, característica de todo ser humano, muitas vezes erroneamente buscada no mundo exterior, sob a forma de dogmas, verdades absolutas ou paradigmas a serem seguidos fielmente; e a plasticidade, essência do viver e da experiência criativa, mas que traz em seu bojo o desconforto da mutabilidade.Para Bergson, a vida interior é de natureza temporal, o instante não existe e uma experiência pode ser encurtada ou alongada de acordo com aquilo que é vivido pela consciência. O filme seria um exemplo máximo deste postulado bergsoniano.O minuto que passa não é o minuto pensado, mas o vivido. O tempo do sempre é então o tempo vivido pelo sujeito fora do tempo compartilhado, preso num outro tempo, subjetivo, isolante, terrível. O tempo que é marcado pela não mudança, mas por um tempo que impede a transformação.Como reza uma antiga oração judaica:- “Bendito é o Deus que muda as horas”.
Por Neyza Prochet (Nina) - Almas inquietas
Retirado de RoseLivros
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